BAHIA: Testemunha sequestrada em Paulo Afonso foi vítima de extorsão por milícia, diz MP
Alex Cirino Barbosa, testemunha de crimes praticados por policiais militares, foi sequestrado no último dia 7, por volta das 19h45, em Paulo Afonso. Desde então, ele está desaparecido. De acordo com o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), ele é uma das principais testemunhas da Operação Alcateia, de outubro do ano passado, quando vários PMs foram presos acusados de fazerem parte de uma milícia. Há indícios que o grupo se envolveu em diversos crimes, como homicídio, tráfico de drogas, tortura e extorsão. Alex é ex-integrante do grupo e revelou à polícia a forma de agir dos envolvidos, indicando pessoas, repartição de tarefas e modos de ação. Além disso, afirmou que foi vítima de extorsão praticada pelo grupo.
A operação foi realizada em conjunto pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e pela Força Tarefa da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Os mandados foram deferidos pela Vara 1ª Vara Crime da Comarca de Paulo Afonso e as buscas e apreensões foram conduzidas em endereços residenciais dos investigados e em batalhões da Polícia Militar de Paulo Afonso e Conde.
O sequestro de Alex foi filmado por câmeras de segurança instaladas na rua em que o crime aconteceu, que mostram o momento exato em que ele foi abordado e levado para dentro de um carro. No vídeo, Alex aparece na garupa de uma moto, dirigida por outra pessoa. Uma caminhonete se aproxima e um homem desce, derrubando Alex no chão. Em seguida, mais dois homens saem do carro e a vítima é carregada para dentro do veículo. Um dos homens que saiu da caminhonete assume o lugar do piloto da motocicleta, que entra no carro. A caminhonete segue viagem e, logo depois, a moto a acompanha.
As imagens permitiram identificar a caminhonete usada, que já tinha sido vista na cidade sendo dirigida pelo oficial da PM que está foragido. Segundo o Ministério Público, além do policial, um dos outros dois suspeitos seria o irmão de um dos policiais presos na Operação Alcateia, o que sustenta a tese da polícia de que a testemunha foi raptada, e possivelmente morta, para impedir que fosse ouvida em juízo, além de intimidar outras testemunhas. Nesta terça-feira (27), teve início a audiência de instrução relativa aos atos criminosos investigados por essa operação, na qual testemunhas seriam indicadas e, possivelmente, já ouvidas.
A milícia
A Operação Alcateia é resultado de procedimentos conduzidos pelo Ministério Público, que se converteram em Procedimento Investigativo Criminal (PIC), cuja fase ostensiva das investigações foi deflagrada em 2020. De acordo com o MP, há três ações penais em curso derivadas da operação, nas quais são atribuídas a prática de homicídios qualificados e a participação em organização criminosa composta majoritariamente por policiais militares e alguns civis que a eles se associaram. Os casos tramitam na comarca de Paulo Afonso, onde os crimes foram praticados. Nos processos criminais oriundos da Operação Alcateia, não consta nenhum policial civil como réu.
Em outubro do ano passado, a 1ª Vara Crime de Paulo Afonso expediu, a pedido do MP, seis mandados de prisão temporária para os PMs envolvidos, além de mandados de busca e apreensão em endereços dos investigados e também em batalhões da PM. Equipes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) cumpriram os mandados, no dia 29 de outubro, em uma residência de um integrante da organização criminosa na região do município baiano de Paulo Afonso.
As buscas também aconteceram em Feira de Santana, Salvador e Petrolina, em Pernambuco. Durante as buscas, os policiais localizaram uma arma de fogo, havendo a prisão em flagrante de uma pessoa. A polícia apreendeu R$850 em dinheiro, 11 celulares, seis pistolas, um revólver, uma carabina, 245 munições, além de cinco automóveis.
Em 27 de novembro de 2020, mais uma ação da operação. Foram cumpridos 11 mandados de prisão preventiva contra policiais militares em Paulo Afonso, Lauro de Freitas, Camaçari e Salvador. Também foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão e provas foram coletadas.
Os PMs são acusados de assassinarem a tiros Cícero Santos Ramos, no dia 21 de abril de 2018, no município de Glória, e Fabiano Silva Santos, em 2 de dezembro do mesmo ano, no município de Paulo Afonso. Pela morte de Fabiano Santos, em Paulo Afonso, foram denunciados três PMs por crime de homicídio qualificado por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima. Já pela morte de Cícero Santos Ramos, outros oito policiais militares foram denunciados também por homicídio qualificado, sendo que cinco deles ainda responderão por crime de furto.
O chefe da milícia
A investigação mostrou que a organização é composta por PMs, a maior parte lotada no 20º Batalhão da Polícia Militar, em Paulo Afonso, sob comando de um oficial de alta patente da corporação, o tenente-coronel Carlos Humberto da Silva Moreira, também conhecido como Humberto Cachorrão. Ele foi afastado das funções por ordem judicial ainda em 2020. O afastamento de 180 dias foi determinado de maneira cautelar. O coronel ficou proibido de acessar a dependência de qualquer unidade da PM, além de se comunicar com membros da corporação.
Carlos Humberto chegou a receber a mais alta honraria concedida pela Assembleia Legislativa, a Comenda 2 de Julho. A comenda foi aprovada no plenário da Assembleia em 23 de outubro de 2018. À época, o coronel comandava o 20º Batalhão da PM, em Paulo Afonso, onde grande parte da milícia atuava. A proposta para conceder a honraria ao tenente-coronel, apresentada em 30 de maio de 2017, foi de autoria da deputada estadual Fabíola Mansur (PSB), candidata a vice-prefeita de Salvador na chapa da Major Denice Santiago (PT).
No texto em que propõe a concessão da honraria, Fabíola Mansur descreve Humberto Cachorrão como “um dos maiores exemplos de amor à profissão, à Polícia Militar, à Bahia e ao Brasil, pela sua grande trajetória de vida e extrema dedicação à segurança pública em nosso país”. De acordo com as investigações a cargo do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado do MP (Gaeco), responsável pela operação, a milícia agia desde 2017, ano em que o tenente-coronel assumiu a PM de Paulo Afonso. No entanto, as suspeitas contra Cachorrão só começaram a ser apuradas após ele deixar o comando da unidade, em julho de 2019.
Em nota enviada ao CORREIO, a Polícia Militar afirmou que não compactua com desvios de conduta e que tem colaborado com a Corregedoria para melhor identificar e corrigir atos criminosos cometidos por agentes da corporação. “A PM vem colaborando com o trabalho do MP e da SSP, através de atuações conjuntas que tornam mais céleres e transparentes as ações de polícia judiciária desenvolvidas pela Corregedoria da PM”, diz a nota.
Fonte: Correio 24 horas/Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro